terça-feira, 22 de agosto de 2023

SOLIDARIEDADE NA PERIFERIA – DENÚNCIA SEM FLORES


Ela é uma jovem mulher negra de aproximadamente 28 anos de idade. Sua vida de empregada doméstica possui uma intensidade discreta, aquela força que só possui as vidas, cujas agendas lotadas, garantem apenas a sobrevivência. 

Aprendeu muito cedo que “a vida lhe daria poucos presentes, que se quisesse uma vida precisava conquistá-la”1

Moradora da “periferia da periferia de uma cidade periférica” da região metropolitana, fazia do seu cotidiano uma luta constante, sem medo das consequências. 

É nessa periferia, que nossa personagem observa ao seu redor e vê os seus, com olhos de misericórdia e revolta. E, enquanto contemplava a rua de chão “batido” onde ainda não existia asfalto, descobre ali no seu bairro, quase como sua vizinha, uma garota frágil, indefesa, vítima de violentas surras de um irmão viciado e de uma mãe omissa, também viciada. 

Procurou os homens da comunidade para conversar, queria resolver o problema. Queria convencê-los a denunciar. O que encontrou foi medo e covardia, o que lhe deixou mais revoltada ainda. A família da vítima era envolvida com drogas e ninguém estava disposto a “arriscar o seu pescoço” apenas para “proteger" uma criança. 

E o tempo passava e a realidade continuava a mesma. Até que um dia, ela mesma decidiu que era hora de agir – não queria ter em suas mãos omissas o assassinato de uma criança.

Avisou a patroa que iria faltar ao trabalho na parte da manhã, Vestiu sua melhor energia e foi procurar as autoridades competentes. Para sua surpresa, foi muito bem acolhida. Não sabia que as lutas por Direitos Humanos e Proteção à Infância e Juventude, tinham dado tantos frutos positivos. Não sabia nem mesmo que essas lutas existiam, sabia apenas que tinha de fazer o seu papel e DENUNCIAR

Sentou-se na frente da profissional e denunciou o caso da menina que sofria maus tratos. Como mulher que era, trouxe todos os dados da criança – nome completo, endereço, escola em que estudava, horários. 

Olhou bem nos olhos da profissional e disse: “TODOS NO BAIRRO SABEM DO CASO, MAS NINGUÉM TEM CORAGEM DE DENUNCIAR. TODOS TEM MEDO. EU NÃO TENHO MEDO, POR ISSO ESTOU AQUI.” 

Seu olhar fazia jus aos olhares de todas as mulheres guerreiras que passaram pela existência terrena. Tinha a capacidade de oferecer a vida para proteger os outros.


“1” Parafraseando Lou Salomé Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la!

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