Uma realidade que a classe média tem dificuldade de compreender.
Dizem, no youtube, que o nosso cérebro só ENXERGA aquilo que já viu ou consegue conceber imaginativamente.Tem uma história no youtube que diz que, quando os primeiros indígenas olharam para o mar onde estavam as caravelas, viam apenas ondas diferentes na água, mas não viam as caravelas, porque não tinham o conceito, a ideia, a imagem das mesmas em suas mentes e, só depois que o pajé da tribo visualizou a caravela e contou para os outros membros da tribo, que eles a conseguiram VER.
Não sei até onde esse conceito em relação às imagens é verdadeiro, mas sei da minha experiência de tentar explicar à pessoas de contextos diferentes as realidades múltiplas em nossa sociedade e os mais diversos princípios que a sustentam. Abaixo, vou compartilhar a troca de mensagens em um sábado à noite com uma amiga de outra classe social, mostrando essa dificuldade explícitamente:
- Oi!
- Oi!
- Estou em um churrasco. Lembrei de você.
- Pq?
- Precisa explicação?
Meu marido monopolizou a Alexa e só tocou sertanejo, mais ou menos raiz. E ainda filmou a Alexa, para mandar o vídeo a outro amigo que mora no interior e gosta do sertanejo raiz. Essa tecnologia é muito louca, a gente usa a tecnologia para gravar a própria tecnologia e mandar ao amigo do interior que até “ontem” não tinha acesso algum a tecnologias. Me encanto com essa função da internet, de unir mundos diferentes e tornar próximo o que antes era impossível.
Eu diria que, nesse sentido, a tecnologia une sensibilidades.
Precisa EXPLICAR mais alguma coisa?
- Não mais. Onde é?
- Na casa de um amigo do meu marido. Ele fez da garagem dele um espaço para churrasco. E todos que querem comer ou beber é só chegar. É muito legal. Quando você vir me visitar vou te trazer aqui.
- Todos? – emoji de assustada.
- Sim. Super democrático. Os motoristas de ônibus vem jantar aqui. Algumas pessoas na rua param para dar um oi, tomar uma cerveja, comer algo. Teve uma vez que passou um rapaz jovem pedindo comida, preparei um lanche com carne de churrasco e ele me perguntou se eu poderia tirar a carne porque ele era vegetariano. Nós não entendemos nada, olhamos uns para os outros e providenciamos outro lanche vegetariano para o rapaz, afinal de contas no sistema democrático de acolhimento todos têm direito a escolha.
- Mas como funciona? As pessoas levam as carnes?
- A regra é não ter regra. Ele – o amigo dono da casa - oferece o espaço, fogão a lenha e churrasqueira. Um tanto de cerveja, carvão, e um pouco de carne. Quem chegar, leva o que quer. O que é possível levar. Eu e meu marido levamos pão, carne e cerveja. Uma outra pessoa levou farofa. Depois fez arroz. Alguém providenciou tomate e cebola – fizeram, sujeito indeterminado, um vinagrete. O namorado de uma colega assumiu a churrasqueira, porque o dono da casa passou a deixar a carne queimar depois de um certo tempo de festa. Outras pessoas chegaram, não sei o que levaram, alguns levaram cerveja e sei lá mais o que.
Meu marido ficou comandando a Alexa e depois de um certo tempo ela estava obedecendo só ele. O que foi motivo de fartos risos. Muito “louca” essa tecnologia. E teve um karaokê improvisado, cantando Almir Sater: “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais.” Uma luta, fazer a Alexa encontrar a música em espanhol.
Falei de você para nosso amigo e ele falou para levarmos você lá.
- Como assim, quando, como?
- É tipo assim: dá um alô que ele acende a churrasqueira…
Só então a minha amiga de classe média entendeu o que é a democracia da periferia…
Um cristianismo social regado a cerveja e ao simples exercício de estar ali. Nada a provar, não precisamos vencer, ser bons, sermos os primeiros. Apenas estar ali. Chegar, sentar e estar.
É simplesmente maravilhoso!
Fim
Ah!
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