Ao escrever, os processos mentais se expandem e vão resgatando outras memórias, outro jeito de simbolizar essa realidade acolhedora, mas que muitas vezes se apresenta desafiadora.
Foi assim que me lembrei de uma música de Ziza Fernandes - Imagino o Paraíso - YouTube -, que descreve aquele momento sonhado de chegar ao céu. Mas não é um céu glorioso, cheio de anjos e trombetas. É o céu encontrado em uma casa de mobília singela, com uma mãe que recebe seus filhos com ternura e os irmãos se emocionam ao chegar. Dessa casa, com mobílias singelas, é possível ver o sol e a música termina dizendo: “É TUA CASA, PODE ENTRAR.”
Então contemplei a capacidade que algumas pessoas têm de construir paraísos através do encontro, da comida, do alimento.
Essa capacidade, que me parece divina, se manifesta no cotidiano de muitos, ainda hoje mesmo no meio da correria imposta pela tecnologia, com carga horária de trabalho cada vez mais intensa. Essas pessoas trazem o paraíso para este plano material através do acolhimento em uma refeição quentinha, preparada com amor.
NÃO TENHO ESSE DOM, A MIM RESTA APENAS O DOM DE CONTEMPLAR E VER UM SOL ESCONDIDO ENTRE OS GALHOS DE UMA ÁRVORE, COM SEUS RAIOS A SE DESPEDIR DO DIA, E TRANSFORMAR EM PALAVRAS A SENSAÇÃO BUCÓLICA QUE NOS APRESENTA A ESPERANÇA DE UMA OUTRA REALIDADE POSSÍVEL.
Minha mãe não gostava de cozinhar. Mas o fazia com simplicidade e eficiência. Sem encantos, sem mística, sem magia. Cozinhar era o ato de fazer algo que garantiria a sobrevivência.
Na periferia que vivi com a minha mãe, havia uma frase que se tornou mística para mim, devido à sua força e resiliência – “COME O QUE TEM.”
Essa mística me sustenta por toda vida. Se não gostou do alimento, disfarça, seja discreta e procure outro em silêncio. Se aprendemos a fazer isso com o alimento, fazemos com outros temas também.
No "paraíso" da minha mãe em torno da refeição, havia alimentos simples e básicos: arroz, feijão, macarrão alho e óleo, carne de panela, frango frito, uma salada.
E se neste ritual prático de sobrevivência, não existem as marcas de uma alegria subjacente ao alimento, mas sim, a força da certeza que fiz o melhor que pude, vivi e deixei viver.
Eu não gosto de cozinhar – sou desprovida da mística do acolhimento envolvendo alimento. SOU FILHA DAS AGRURAS DA PERIFERIA DA MINHA MÃE. O máximo que consigo é verificar se a pessoa está com fome e garantir o alimento que supre a necessidade.
Para aprender, teria que mergulhar no mundo das receitas até dominar os gestos e incorporar a técnica. Descobri, no mundo corrido das poesias, comunicação e conscientização política, que não tenho tempo para isso. A vida real nos exige escolhas na administração de um tempo apertado, que se recusa a expandir frente às minhas necessidades.
Mas sou grata às inúmeras pessoas que me oferecem a mística do ACOLHIMENTO ALIMENTAR, compartilhando comigo, através de temperos, temperatura e tempo, suas simbolizações. Elas me ajudam a construir a visão do meu próprio paraíso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário