ESPIRITUALIDADE

POÉTICA DA CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA

 

Sexta feira dia 29/04/2022, depois de dois anos de pandemia eu andei de ônibus. Fui em um encontro do meu sindicato. Quando voltava para casa, dentro de um ônibus razoavelmente cheio para uma pandemia que ainda não acabou, veio em pé do meu lado três jovens lindas, morenas claras, estaturas baixas, cabelos cacheados. Com rostos de criança, porque essa geração atual parece que aprendeu a "jogar" as marcas do tempo para longe, em um futuro distante. Ou talvez com as melhorias que a sociedade alcançou, as marcas do tempo não ocorreram.

Sim, a sociedade alcançou melhorias - superamos e muito o trabalho infantil, as crianças e jovens possuem seu direito de estudar escrito na Constituição e em outras leis que o regula. A escola é gratuita, possui ônibus para levá-las de casa até a escola e vice-versa. Ao começar a trabalhar aos 16 anos, possui lei que regula o trabalho, garantindo o direito de trabalhar como aprendiz e definição do salário mínimo previsto em lei.

Os projetos sociais que atendem adolescentes se adequaram à lei, o judiciário fez sua parte, as empresas assumiram sua responsabilidade. As pessoas comprometidas com a causa da juventude, direitos humanos e justiça social, lutaram pelas cotas em faculdades públicas e vários outros projetos, a partir das lutas, foram implantados na sociedade.

E assim a geração atual pode entrar em uma faculdade do nível da UNICAMP.

Eu estava me distraindo, entre consultar minhas mensagens de zap, pensar nos meus afazeres do fim de semana e ouvir a conversa das meninas, ali do meu lado. Não que eu estivesse bisbilhotando, é que em ônibus ninguém tem privacidade mesmo e se você está falando de um assunto, mesmo que baixo, as pessoas que estão em volta ouvirão alguma coisa.

Os assuntos que elas falavam inicialmente era dos conteúdos das matérias. Assim descobri que uma delas fazia Biologia ou algo nesta área. Como nasci no sítio prestei um pouco mais de atenção no tema. Sempre me divirto entre a realidade da minha vida no sítio e a visão da academia sobre o mundo rural. É preciso dizer que esse distanciamento entre o mundo rural e acadêmico diminuiu muito, graças à aproximação das faculdades ao campo. Uma experiência que deveria ser acompanhada por outras áreas intelectuais.

Em alguns momentos, elas falavam de política e depois voltavam para outros conteúdos. O trajeto era longo e o trânsito não ajudava. Então, em uma hora de trânsito, é possível abordar muitos assuntos.

Quando elas abordavam política, eu sentia uma intensa vontade de "entrar na conversa", mas me reprimia. Mas um pouco antes de descer, quando uma delas falou QUE NÃO ENTENDIA PORQUE A UNICAMP FALAVA TANTO DE POLÍTICA, eu não resisti. Sabia que a viagem estava acabando, era agora ou nunca.

FECHEI O CELULAR, OLHEI PARA ELAS, ME APRESENTEI E DISSE:

-”JÁ QUE VOCÊS ESTÃO CONVERSANDO SOBRE ASSUNTOS NO ÔNIBUS E A GENTE ACABA OUVINDO, POSSO FALAR UMA COISA PARA VOCÊS?”

Educadamente, meigamente, disseram que sim.

Então eu fiz algo que a muito tempo não faço, contei em público a minha história:

-”Sabe porque é preciso FALAR MUITO DE POLÍTICA NA UNICAMP? Porque vocês estão lá, vocês frequentarem a UNICAMP é resultado de MUITA LUTA POLÍTICA. Sou de uma geração que não teve essa oportunidade. Quando comecei a fazer a minha faculdade, meu salário cobria a mensalidade, o ônibus, o material, sobrava para economizar e dava dinheiro em casa. No processo de inflação, no final da minha faculdade, meu salário não cobria nem mesmo a mensalidade da faculdade. Simples assim e não tínhamos opções. 

Sou de uma geração que adolescente trabalhava oito horas por dia para ganhar meio salário mínimo.”

Neste momento os olhos de uma das garotas se arregalou. Outra riu, fazendo um comentário baixinho - ela é da geração que usava o cabelo....não entendi a palavra.

Entendi que era hora de parar de falar. Conclui pedindo a elas que procurassem no Google as lutas sociais da geração anterior.

E o que isso tem a ver com espiritualidade?

Saí do ônibus feliz da vida, com uma alegria sem tamanho. É como se o Espírito soprasse em mim naquele momento e fizesse a esperança das VITÓRIAS sociais conquistadas pela minha geração e pelas gerações anteriores, voar impulsivamente sobre as gerações futuras.

Conclui que ESPIRITUALIDADE É PASSAR O BASTÃO PARA AS GERAÇÕES FUTURAS COM UM CHIP CONSTANDO TODAS AS INFORMAÇÕES - as lutas, as experiências, o desenvolvimento e as VITÓRIAS.

Sim, as VITÓRIAS EXISTEM e muitas das suas VITÓRIAS PESSOAIS SÃO FRUTOS DE LUTAS DE PESSOAS QUE VOCÊ NEM IMAGINA.