SUS
Quando minha mãe estava doente, internada, SENDO MUITO BEM ATENDIDA PELO SUS NO HOSPITAL DA UNICAMP, mas em uma maca, no corredor da enfermaria…
Afinal de contas, o servidor público da saúde, faz de seu labor cotidiano a imagem maternal de que aqui sempre caberá mais um, nós daremos um jeito, mesmo não tendo quartos para todos. Os corredores estavam ali para serem usados, triplicando assim o número de pacientes por funcionários. É claro que alguém paga essa conta - e esse alguém é a saúde do trabalhador que, fazendo o milagre da multiplicação dos espaços, gera a vida nos outros à custa de sua própria morte.
...um dia, no corredor da enfermaria da UNICAMP, já com a saúde bem debilitada, minha mãe não dormia bem. Naquele dia eu fiquei conversando com ela das 21:00 até as 23:00 com a esperança que isso lhe trouxesse o sono e eu pudesse descansar um pouco. “Lá pelas tantas”, eu lhe sugeri que dormíssemos um pouco, ela me pediu água, e eu fui buscar. Como estávamos no corredor da enfermaria havia muitas luzes acesas: minha mãe me olha com convicção e diz com a firmeza que lhe era própria:
“NILCÉIA, VOCÊ ESQUECEU A PORTA DA GELADEIRA ABERTA!”
Eu respondi: ........
Termino a história no final do texto em defesa do SUS porque recentemente recebi um post da Campanha EU SOU O SUS e hoje quero defendê-lo, contando a minha história com minha mãe no SUS.
Compartilhei com vários contatos do zap a campanha EU SOU O SUS. Algumas pessoas me responderam colocando as dificuldades do sistema em suas cidades:
- as angústias da espera de atendimento clínico e para exames,
- a possível má administração dos recursos,
- a falta de exames,
- e outras.
Reconheço que a queixa das pessoas são legítimas e destaco que as pessoas possuem uma função de destaque em suas comunidades de classe trabalhadora e portanto são formadoras de opinião.
O que me chamou atenção nestas queixas é o fato do SUS ser colocado como o SUJEITO que gera os problemas e não a vítima de um modelo político de gestão. Não existe uma crítica ao Secretário de Saúde Local, ao Conselho Municipal de Saúde, aos vereadores que deveriam fiscalizar o sistema, ao governo estadual e/ou federal e etc.
O SUS é colocado como o SUJEITO dos problemas, ou vítima de um SUJEITO OCULTO ou INDETERMINADO, cujo nome não é dito.
As pessoas não me mandaram mensagens perguntando sobre a relação existente entre o congelamento dos gastos públicos e o fato de seus familiares e amigos queridos estarem aguardando dias, às vezes meses, para um atendimento e mais alguns dias para o exame e outros “tantos” para o resultado. Não fazem o “link”, o “gancho”, entre “A Emenda Constitucional (EC) 95, do Teto dos Gastos, apresentada como Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 na Câmara dos Deputados e PEC 55 no Senado Federal, foi aprovada em 2017” - 10 razões para defender o SUS - MST e aumento do tempo de espera do SUS.
Me pergunto a causa dessa NÃO EXPLICITAÇÃO dos responsáveis pelos problemas do SUS e me permito construir algumas hipóteses:
1- Provavelmente o DESCONHECIMENTO do amplo processo histórico que idealizou o SUS, e de toda a estrutura através do qual o mesmo é administrado à nível nacional, estadual e municipal.
2- Destaco também o fato que as pessoas não se lembram de como era o atendimento médico da classe trabalhadora antes do SUS – as pessoas não se lembram de como era esse atendimento porque ele praticamente não existia.
3- Mas existe outro fator que quero destacar. Em meu texto “UMA FRASE JESUÍTA: TOMAI SENHOR TODA A MINHA MEMÓRIA” - Diálogos: Resultados da pesquisa TOMAI, SENHOR, E RECEBEI TODA A MINHA MEMÓRIA (nilceiaeulampio.blogspot.com) falo sobre a DIFICULDADE da nossa mente de focar e guardar aquilo que é positivo dentro dos processos vividos. Então é compreensível que em uma situação de perda da saúde, as pessoas lembrem de todas as mazelas que sofrem ao buscar o atendimento médico. A demora para se chegar, o medo de não ser atendido, medo de não ser encaminhado, que o profissional não seja bom, que a máquina do exame esteja quebrada, que apareça um caso mais grave e volte para fila de espera. Enfim, as variáveis para que tudo dê errado em um sistema público de saúde no Brasil é imensa.
Pode ser que essa variável provoque tamanha ansiedade que impossibilite de observar e valorizar os aspectos positivos do SUS. Sem perceber esses aspectos não é possível divulgar e defender com “unhas e dentes” o sistema, e muitas vezes em um gesto que eu considero de “loucura social”, começa-se a lutar contra ele e votar em políticos que o querem destruir.
Assim busquei na internet algumas informações básicas sobre o SUS e compartilho aqui, com o objetivo de reconstruir a valorização do mesmo no IMAGINÁRIO COLETIVO da classe trabalhadora:
1. História do SUS: Dia 21 de março foi o dia escolhido para comemorar o Dia do Orgulho SUS, por ter sido o último dia da 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1988, cujo relatório gerou os princípios do Sistema Único de SUS
2. Princípios do SUS - Os princípios do SUS são divididos em princípios doutrinários e princípios organizativos, conforme explicado abaixo:
- Princípios doutrinatários: universalidade, integralidade e equidade.
- Princípios organizativos: descentralização, regionalização e hierarquização e participação popular. Princípios do SUS - Doutrinários e Organizativos + Vídeo-aulas!(cartaosusdigital.com.br). Neste artigo se diz que O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do planeta, contemplando desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos.
E assim, depois de fazer o encontro entre a história das lutas populares deste país e minha experiência mística de acompanhar minha mãe em sua velhice ao hospital, cumprindo o princípio bíblico do HONRARÁS PAI E MÃE, eu termino de contar minha história:
...um dia, no corredor da enfermaria da UNICAMP, já com a saúde bem debilitada, minha mãe não dormia bem. Naquele dia eu fiquei conversando com ela das 21:00 até as 23:00 com a esperança que isso lhe trouxesse o sono e eu pudesse descansar um pouco. “Lá pelas tantas”, eu lhe sugeri que dormíssemos um pouco, ela me pediu água, e eu fui buscar. Como estávamos na enfermaria havia muitas luzes, quando lhe entreguei a água minha mãe me olha com convicção e diz com a firmeza que lhe era própria:
- “NILCÉIA, VOCÊ ESQUECEU A PORTA DA GELADEIRA ABERTA!”
Eu, que não era louca para contrariá-la às “onze e tanta” da noite, lhe disse carinhosamente: “sim mãe, eu deixei a porta da geladeira aberta, a senhora pode dormir que eu vou fechar a porta da geladeira”. Fui jogar o copo no lixo, e quando voltei minha mãe estava dormindo....
Eu sentei na cadeira almofadada do lado da maca dela, coloquei meu travesseirinho e encostei a cabeça na parede e tive uma noite de sono maravilhosa, sabendo que se minha mãe tivesse uma emergência havia por ali enfermeiros que a socorreriam antes que eu acordasse.
Você pode estar pensando: você está feliz porque dormiu em uma cadeira almofadada no corredor?
Eu te respondo, fazendo em minha alma um gesto de reverência, com o devido respeito àqueles que lutaram pelo SUS em nosso país:
É que poderia ser pior, muito pior. Poderia não haver a cadeira, poderia não haver o atendimento médico gratuito pelo SUS, e minha mãe poderia estar em casa, sem atendimento, como eu pude assistir em minha infância no interior de Minas Gerais.
Sim, poderia ser pior…
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