segunda-feira, 16 de maio de 2022

Espiritualidade Maternal

Entre SONHOS, REALIDADE E POLÍTICA

Passou o dia das mães e eu não escrevi nada. Escolhi fazer algo que minha mãe gostava muito que eu fizesse  - DESCANSEI. Pensei em não escrever nada para ela. Apenas deixar passar o dia, a data, o tempo. Afinal de contas, sabemos que se trata de um dia de compras e lucro para o sistema capitalista.

Mas aquela voz intensa dentro da cabeça apareceu com um misto de cobrança, amor e aceitação: “Já esqueceu de mim? Não me dá mais valor?”

Por mais que eu saiba que se trata da figura maternal em mim, do amor que me sustentou através do cuidado prático das coisas da existência, e das culpas e acusações que o tempo não apagou, reconheço que, quando esse fenômeno acontece, ele me assusta.

Me lembrei que, recentemente, sonhei com a minha mãe. Ela estava em meu quarto atual, deitada em minha cama, cansada e um pouco triste. Eu a acalentei em meus braços e a acalmei, invertendo em sonho a ordem das coisas. Ficamos ali um pouco e ela me disse que NÃO QUERIA VOLTAR DE ONDE VEIO, PORQUE, DE ONDE VEIO, ESTAVA SOFRENDO MUITO.

Nestes momentos de sonhos, por mais que eu saiba de todas as explicações da psicologia sobre eles e ser capaz de fazer uso dos mecanismos da ciência para a interpretação dos mesmos, eu compreendo as leituras simbólicas das religiões.

Talvez tenha até mesmo o desejo de que as interpretações religiosas sejam mais verdadeiras que as interpretações científicas, pois elas nos trazem a esperança de um reencontro, da atualização das relações sociais no aqui e agora do mundo onírico, sem a dor profunda da saudade que nos assola e sem o trabalho intenso da ELABORAÇÃO que o movimento do tempo e das perdas nos exigem.

Olhando pro meu sonho, me perguntei assustada onde minha mãe estava, porque ela não quer voltar, que sofrimentos a envolve?

Entendendo que o necessário para mim era atualizar a saudade existente, criando um lugar na alma onde o ser querido possa se eternizar em minhas elaborações internas. Assim, no silêncio da minha alma, disse para minha mãe que ela podia ficar por aqui, na morada que se chama saudade, organizando comigo as experiências produtivas e de aprendizado que me possibilitou, enquanto elaboramos, através do exercício do perdão constante, aquilo que não foi tão produtivo e trouxe um aprendizado às avessas do que NÃO devemos continuar fazendo.

Entendi algum tempo depois que o lugar cheio de SOFRIMENTO que minha mãe não quer voltar é o seu próprio passado:

- uma sociedade machista, com seus sonhos estrangulados por sentenças injustas,

- a violência sempre presente, como um fantasma não tão fantasma assim,

- uma sociedade sem direitos trabalhistas, onde se lavava roupa e a engomava, mesmo nas manhãs de frio, para ganhar alguns trocados para ajudar a família. MINHA MÃE MORREU TRISTE PORQUE TRABALHOU A VIDA INTEIRA E NÃO SE APOSENTOU,

- a SOLIDÃO das noites no sítio, com luz de lamparina, forjando coragem para sustentar os filhos na escuridão de uma madrugada sem luar e com poucas estrelas,

- as doenças sem médico,

- a distância sem carro,

-  e etc.

O exercício maternal de colocar para dormir, mesmo em meio a tamanhas injustiças e atrocidades sociais. De acalmar os ânimos e descansar da luta em meio ao caos, para  depois retornar às batalhas do dia a dia,  pode ser a prática espiritual mais nobre que existe.  

Vai no oposto da sociedade capitalista, da cultura do fazer, fazer de novo, ser competente para competir, lutar, vencer e vencer, sem nos explicar o que fazer com as derrotas e com as dores que causamos aos outros ao vencermos.

Minha mãe me convidava ao oposto. E ainda hoje me convida a dormir em um colo que nunca envelhece, pois se tornou o colo da minha alma.

Para minha mãe, os filhos estarem vivos, descansados e alimentados é o suficiente - não precisa mais. Não precisa de vitórias mirabolantes.

Percebo agora que, em tempos de reforma trabalhista, "uberização" do trabalho, trabalho intermitente e tantas outras atrocidades que colocam o trabalhador em atividade permanente, de "SOL A SOL", às vezes varando a noite, de DOMINGO A DOMINGO, ou de sábado a sábado, como defende meu amigo adventista, não respeitando os dias santos de descanso, o que estamos precisando é de uma BOA MÃE SIMBÓLICA QUE NOS COLOQUE PARA DORMIR E DESCANSAR e nos dê tempo para CONTEMPLAR O SIGNIFICADO DA EXISTÊNCIA que vai muito além da EXPLORAÇÃO DO TRABALHO e da FALSA COMPETIÇÃO QUE LEVA A CLASSE TRABALHADORA À DERROTA TOTAL.

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