ANTAGONISMOS
....eu diria que durante anos, deixei conceitos antagônicos "passearem" pela minha mente sem grandes preocupações, reflexões e aprofundamentos. Assim convivi por anos com teorias que orientavam o pensamento positivo, enquanto refletia com amigas(os) a situação política do país e as necessidades de mudança.
Me aprofundei em teorias que orientavam o domínio emocional, enquanto buscava relações sociais saudáveis, onde pudesse compartilhar minhas emoções verdadeiras e percepções da vida, sem qualquer repressão.
Para compreender melhor o tema, começo me perguntando o porquê dessa dualidade, ou melhor, o porquê dessa diversidade:
A primeira resposta que me vem é a própria realidade cultural brasileira. Somos diversos, múltiplos. Temos acesso a muitas realidades culturais e subgrupos culturais em um mesmo contexto.
Em minha história vivi esse “bum” de encontros culturais na juventude.
Eu mesma, era a diversidade em pessoa:
A menina CATÓLICA, que veio de Minas Gerais aos 11 anos, se adapta à cidade grande, participa das lutas políticas organizadas pela Igreja Católica, se torna auxiliar de escritório, faz faculdade de psicologia, se afasta da Igreja Católica, pratica yoga, deixa a yoga e faz capoeira, se forma, enfrenta o desemprego, se torna Conselheira Tutelar na cidade, se casa, enfrenta novamente o desemprego, volta a ser católica e etc...
A presença da diversidade e do inesperado é um contínuo na vida, trazendo respostas para fases diversas.
Era comum que, enquanto estávamos sentados no bar no domingo à tarde, tomando a última cerveja do fim de semana, víssemos o colega evangélico passar com a Bíblia na mão e o cumprimentássemos. Às vezes ele nos chamava para ir na Igreja com ele, outras não.
Era comum também, em fases desafiadoras da vida, recebermos apoio, orações, acolhimento de pessoas que nem ao menos sonhávamos.
Nunca me esqueço, em um período financeiro equilibrado da nossa vida, meu marido alugou um espaço “legal” e fez ali a sua academia de capoeira. Qual foi a nossa surpresa, estando no ponto de ônibus para acompanhar um amigo, um senhor evangélico retornando do culto com a Bíblia na mão parou e falou pra nós: “estou muito feliz porque o senhor alugou um espaço melhor, eu vejo a sua luta, vejo a sua honestidade e justiça. Fico feliz que Deus tenha lhe abençoado”.
Meu marido agradece e depois que aquele senhor se vai, olha pra mim e pergunta quem era. Respondi com um sorriso nos lábios que não fazia a menor ideia.
Para entender a dimensão da fala desse desconhecido, é preciso dizer que normalmente se acredita que os evangélicos são contra a capoeira e toda a Religião Afro. E nós acreditávamos nisso também.
Mas, muito além de nossas crenças e preconceitos, ali estávamos nós, em uma noite de verão de quarta-feira recebendo a bênção de um senhor evangélico desconhecido, para algo que nós tínhamos certeza que ele amaldiçoava.
Viver em uma sociedade, comunidade, onde a vida social é tão intensa, onde se consegue viver e contemplar a diferença, assim como ser contemplado por essa diferença é uma experiência mística.
Falo, sem medo de errar, que a voz daquele senhor desconhecido, chega aos nossos ouvidos como uma voz espiritual que nos dizia: “Siga em frente, Eu estou aqui.”
Talvez seja essa ligação afetiva intensa com a diversidade cultural, que nos capacite a viver antagonismos com um sorriso no rosto e deixar alguns conceitos caminharem conosco, guardado na “caixinha” do lado do nosso pensamento padrão, como uma reserva de energia e/ou possibilidades.
No silêncio de nossas almas sabemos que estes conceitos poderão ser usados por um personagem coadjuvante que a alma tem de reserva para alguma fase desafiadora.
É que essa ligação afetiva intensa com a diversidade cultural, na lida do cotidiano da classe trabalhadora, alcança uma intensidade que atinge os níveis de ESPIRITUALIDADE.
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