RACISMO – ANGÚSTIA QUE REVERBERA
Essa semana vivi uma experiência
maravilhosa. Dei uma palestra aos alunos e educadores da escola pública EE
PASTOR ROBERTO RODRIGUES DE AZEVEDO no projeto DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA
NEGRA. Achei a proposta do projeto maravilhosa, pois antecipa a data com
estudos e reflexões, possibilitando assim a formação ampla sobre o tema.
Percebi também que o projeto aplica o conceito de interdisciplinaridade, pois
estava presente no encontro educadores de diversas áreas.
Minha palestra foi RACISMO - OS IMPACTOS
PSICOLÓGICOS A PARTIR DOS PRECONCEITOS VIVIDOS.
Fui muito bem acolhida, muito bem recebida,
em um projeto maravilhoso com a participação de vários educadores discutindo o
tema, preparando os alunos para a vivência do dia Consciência Negra a partir do
estudo e do aprofundamento no tema.
Quando contei pra alguns amigos que
realizei a palestra on-line, me perguntaram se as pessoas participaram e como
me senti. E destacaram o quanto é difícil falar para a câmera, sem a certeza se
os outros estão ouvindo ou não. Mas no final eu acho que me saí bem. A duração
total do encontro foi de uma hora e trinta minutos. Então acho que foi muito
“legal”.
Mas uma palestra é sempre um desafio.
Quando nos propomos a comunicar nossa visão de mundo, a expor nossas reflexões,
precisamos estar preparados.
Quando vou dar uma palestra me preparo pra
toda possibilidade de perguntas. Gosto de pensar em mim como uma pessoa
preparada para o desafio do debate. Mas é claro que sempre sou surpreendida dentro
do processo. Trabalhar com pessoas é assim, nunca tem rotina, sempre há o
inesperado. E é claro que minha mente se fixou naturalmente naqueles itens que
eu achei que não me sai tão bem.
Já assisti uma palestra de um médico que
disse que não se sabe exatamente porque nossa mente se fixa nos desafios do que
nos acontecimentos bons. Acredita-se que é porque os desafios nos possibilita
aprender e como muitas vezes o aprendizado pode estar relacionado com
sobrevivência, o sistema mental se direciona naturalmente para os desafios, com
o objetivo de desvendá-los e aprender com eles.
Durante o debate a pergunta que mais me
mobilizou foi:
Se você for a dona uma empresa, e em um processo de seleção tiver que escolher
entre dois candidatos, onde o branco tem mais capacitação que o negro qual dos
dois você escolheria. O branco ou o negro? Porque se você escolher o branco,
mesmo ele sendo mais capacitado, você será chamado de racista. Por isso temos
de tomar cuidado, para não chamarmos INJUSTAMENTE a pessoa de racista.
O professor pediu pra eu responder
objetivamente SIM ou NÃO.
Esse foi o momento mais desafiante pra mim.
O Educador foi muito respeitoso ao fazer a pergunta e ficou-me claro que o
objetivo era estimular o debate e provocar reflexões. Acho mesmo que a pergunta
foi organizada de forma coerente e bem estruturada, unindo três variáveis que
se apresentavam no contexto – o tema racismo, o processo de seleção e o fato
que sou formada em psicologia, sendo esta a ciência especializada em realizar
processos de seleção estruturados, padronizados em técnicas reconhecidas
cientificamente.
O que o Educador não sabe e não tinha como
saber é que tenho em meio histórico de vida uma relação angustiante com o tema
desemprego e portanto com processos de seleção. Já fui escolhida como a melhor,
já fiquei em último, fui mediana e a pior – fui escolhida como a melhor e
decepcionei logo em seguida. Em outro momento fui a melhor e tudo deu certo.
Acho que cheguei ao fundo do poço da minha relação com os processos de seleção
quando NÃO fui escolhida porque era capacitada demais para a vaga. Cheguei a
decidir que iria esconder as minhas habilidades e formação, porque não eram
boas o bastante para alcançar uma vaga mais “sofisticada” e me impediam de ser
aceita em vagas de recepcionista, atendente ou vendedora.
Enfim, a pergunta do educador me fez
reviver aquele momento na relação com o outro, na dinâmica das relações
sociais, em que damos uma pequena parada, as vezes tão sutil que ninguém
percebe - espero que ninguém tenha percebido, rss - e nos indagamos o
significado da situação. É um exercício mental muito sutil e precisa-se fazê-lo
rapidamente. Não sabemos se o que estamos sentindo diz respeito ao contexto em
si ou as nossas angústias do passado que começam a “bater na porta” da nossa
consciência.
Minha resposta ao educador foi:
Comecei com a palavra DEPENDE. Ele me interrompeu dizendo que queria que eu
respondesse objetivamente – SIM ou NÃO.
Disse-lhe que eu não conseguia responder
objetivamente SIM ou NÃO porque o meu padrão de raciocínio não é assim.
Educadamente ele me permitiu continuar:
Estamos entrando no nível da IMAGINAÇÃO e
na perspectiva do nível da imaginação eu te pergunto:
QUEM SOU EU?
Eu sou uma empresária com responsabilidade social?
Eu ofereço para os meus funcionários oportunidades de treinamento iguais?
Eu contrato terceirizadas pra minha empresa que são idôneas, eu ofereço
treinamento para os meus terceirizados, possibilitando que eles se formem para
concorrer em “pé de igualdade” com outros componentes?
Tenho na minha empresa programas de combate ao racismo, ao preconceito e ao
assédio moral?
Se a resposta for sim, então a minha decisão naquele momento, pra aquela vaga
específica for escolher o branco supostamente mais capacitado, não é racista.
Gostei da minha resposta. Mas a verdade é
que não a achei suficientemente boa para a situação. Faltou exemplos
esclarecedores, fundamentação teórica, dados objetivos, estudos a respeito do
tema. Por isso decidi escrever aqui itens que reverberou em minha mente após a
palestra e acredito pode nos ajudar a aprofundar no tema:
- Todo processo de seleção é injusto. Toda
seleção é injusta????
É possível fazer uma seleção justa?
A seleção é justa de acordo com qual teoria, qual visão de mundo,
qual visão de homem e mulher? Neo liberal, tecnicista, socialista, cristã,
nietzschiana, humanista, psicanalista, comportamental, platônica, etc. São
muitas as teorias que temos hoje que nos possibilitam compreender o mundo ao
nosso redor.
Parem um pouquinho: perguntem-se qual é a teoria que você segue?
Compartilhem conosco, nos comentários.
- MITOS: CRITÉRIOS x ILUSÕES
O mito da escolha do melhor. Quem é melhor? Quais os critérios que se usa
pra considerar alguém melhor?
O MITO DA ESCOLHA OBJETIVA: Os critérios que nos fazem decidir se alguém
é mais capacitado que outro são sempre critérios ideologicamente determinados e
isso não tem muito de objetivo.
O MITO DA ESCOLHA DO MELHOR - o mito do mais capacitado – o mais
capacitado tecnicamente é o mais capacitado em outras perspectivas, como
capacidade emocional? - Se usarmos o princípio de análise da RESILIÊNCIA, quem
é mais capacitado? O branco que teve condições ideais para estudar e aprender
ou o negro de classe baixa que estudou e trabalhou, sofreu racismo e
preconceito a vida toda e sobreviveu física e emocionalmente até aquele momento
da entrevista.
Quem é o melhor?
Em que é melhor: Conhecimento técnico? Resiliência? Aprendizagem rápida?
Habilidades Sociais?
Por que é o melhor?
Somos melhores o tempo todo?
Toda escolha é um risco – toda escolha pode
trazer ganhos e perdas – toda escolha pode trazer arrependimentos ou não. O que
é bom hoje, pode não ser bom amanhã. O branco ou negro que são escolhidos hoje
por critérios supostamente objetivos, amanhã podem ser vítima de uma fatalidade
e não serem mais tão bons. A grande diferença é que quando a fatalidade ocorre
com o branco a sociedade se mobiliza e o apoia, buscando compreender os motivos
externos que determinaram aquela situação, mas quando acontece com o negro a
sociedade olha e libera frases preconceituosas de acusação e sátira, que me
recuso a reproduzir aqui.
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