segunda-feira, 25 de outubro de 2021

RACISMO - ANGÚSTIA QUE REVERBERA

RACISMO – ANGÚSTIA QUE REVERBERA

 

Essa semana vivi uma experiência maravilhosa. Dei uma palestra aos alunos e educadores da escola pública EE PASTOR ROBERTO RODRIGUES DE AZEVEDO no projeto DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA. Achei a proposta do projeto maravilhosa, pois antecipa a data com estudos e reflexões, possibilitando assim a formação ampla sobre o tema.
Percebi também que o projeto aplica o conceito de interdisciplinaridade, pois estava presente no encontro educadores de diversas áreas.

Minha palestra foi RACISMO - OS IMPACTOS PSICOLÓGICOS A PARTIR DOS PRECONCEITOS VIVIDOS.

Fui muito bem acolhida, muito bem recebida, em um projeto maravilhoso com a participação de vários educadores discutindo o tema, preparando os alunos para a vivência do dia Consciência Negra a partir do estudo e do aprofundamento no tema.

Quando contei pra alguns amigos que realizei a palestra on-line, me perguntaram se as pessoas participaram e como me senti. E destacaram o quanto é difícil falar para a câmera, sem a certeza se os outros estão ouvindo ou não. Mas no final eu acho que me saí bem. A duração total do encontro foi de uma hora e trinta minutos. Então acho que foi muito “legal”.

Mas uma palestra é sempre um desafio. Quando nos propomos a comunicar nossa visão de mundo, a expor nossas reflexões, precisamos estar preparados.

Quando vou dar uma palestra me preparo pra toda possibilidade de perguntas. Gosto de pensar em mim como uma pessoa preparada para o desafio do debate. Mas é claro que sempre sou surpreendida dentro do processo. Trabalhar com pessoas é assim, nunca tem rotina, sempre há o inesperado. E é claro que minha mente se fixou naturalmente naqueles itens que eu achei que não me sai tão bem.

Já assisti uma palestra de um médico que disse que não se sabe exatamente porque nossa mente se fixa nos desafios do que nos acontecimentos bons. Acredita-se que é porque os desafios nos possibilita aprender e como muitas vezes o aprendizado pode estar relacionado com sobrevivência, o sistema mental se direciona naturalmente para os desafios, com o objetivo de desvendá-los e aprender com eles.

Durante o debate a pergunta que mais me mobilizou foi:
Se você for a dona uma empresa, e em um processo de seleção tiver que escolher entre dois candidatos, onde o branco tem mais capacitação que o negro qual dos dois você escolheria. O branco ou o negro? Porque se você escolher o branco, mesmo ele sendo mais capacitado, você será chamado de racista. Por isso temos de tomar cuidado, para não chamarmos INJUSTAMENTE a pessoa de racista.

O professor pediu pra eu responder objetivamente SIM ou NÃO.

Esse foi o momento mais desafiante pra mim. O Educador foi muito respeitoso ao fazer a pergunta e ficou-me claro que o objetivo era estimular o debate e provocar reflexões. Acho mesmo que a pergunta foi organizada de forma coerente e bem estruturada, unindo três variáveis que se apresentavam no contexto – o tema racismo, o processo de seleção e o fato que sou formada em psicologia, sendo esta a ciência especializada em realizar processos de seleção estruturados, padronizados em técnicas reconhecidas cientificamente.

O que o Educador não sabe e não tinha como saber é que tenho em meio histórico de vida uma relação angustiante com o tema desemprego e portanto com processos de seleção. Já fui escolhida como a melhor, já fiquei em último, fui mediana e a pior – fui escolhida como a melhor e decepcionei logo em seguida. Em outro momento fui a melhor e tudo deu certo. Acho que cheguei ao fundo do poço da minha relação com os processos de seleção quando NÃO fui escolhida porque era capacitada demais para a vaga. Cheguei a decidir que iria esconder as minhas habilidades e formação, porque não eram boas o bastante para alcançar uma vaga mais “sofisticada” e me impediam de ser aceita em vagas de recepcionista, atendente ou vendedora.

Enfim, a pergunta do educador me fez reviver aquele momento na relação com o outro, na dinâmica das relações sociais, em que damos uma pequena parada, as vezes tão sutil que ninguém percebe - espero que ninguém tenha percebido, rss - e nos indagamos o significado da situação. É um exercício mental muito sutil e precisa-se fazê-lo rapidamente. Não sabemos se o que estamos sentindo diz respeito ao contexto em si ou as nossas angústias do passado que começam a “bater na porta” da nossa consciência.

Minha resposta ao educador foi:
Comecei com a palavra DEPENDE. Ele me interrompeu dizendo que queria que eu respondesse objetivamente – SIM ou NÃO.

Disse-lhe que eu não conseguia responder objetivamente SIM ou NÃO porque o meu padrão de raciocínio não é assim. Educadamente ele me permitiu continuar:

Estamos entrando no nível da IMAGINAÇÃO e na perspectiva do nível da imaginação eu te pergunto:
QUEM SOU EU?
Eu sou uma empresária com responsabilidade social?
Eu ofereço para os meus funcionários oportunidades de treinamento iguais?
Eu contrato terceirizadas pra minha empresa que são idôneas, eu ofereço treinamento para os meus terceirizados, possibilitando que eles se formem para concorrer em “pé de igualdade” com outros componentes?
Tenho na minha empresa programas de combate ao racismo, ao preconceito e ao assédio moral?
Se a resposta for sim, então a minha decisão naquele momento, pra aquela vaga específica for escolher o branco supostamente mais capacitado, não é racista.

Gostei da minha resposta. Mas a verdade é que não a achei suficientemente boa para a situação. Faltou exemplos esclarecedores, fundamentação teórica, dados objetivos, estudos a respeito do tema. Por isso decidi escrever aqui itens que reverberou em minha mente após a palestra e acredito pode nos ajudar a aprofundar no tema:

- Todo processo de seleção é injusto. Toda seleção é injusta????
   É possível fazer uma seleção justa?
   A seleção é justa de acordo com qual teoria, qual visão de mundo, qual visão de homem e mulher? Neo liberal, tecnicista, socialista, cristã, nietzschiana, humanista, psicanalista, comportamental, platônica, etc. São muitas as teorias que temos hoje que nos possibilitam compreender o mundo ao nosso redor. 
   Parem um pouquinho: perguntem-se qual é a teoria que você segue? Compartilhem conosco, nos comentários. 


- MITOS: CRITÉRIOS x ILUSÕES
 O mito da escolha do melhor. Quem é melhor? Quais os critérios que se usa pra considerar alguém melhor?
 O MITO DA ESCOLHA OBJETIVA: Os critérios que nos fazem decidir se alguém é mais capacitado que outro são sempre critérios ideologicamente determinados e isso não tem muito de objetivo.
 O MITO DA ESCOLHA DO MELHOR - o mito do mais capacitado – o mais capacitado tecnicamente é o mais capacitado em outras perspectivas, como capacidade emocional? - Se usarmos o princípio de análise da RESILIÊNCIA, quem é mais capacitado? O branco que teve condições ideais para estudar e aprender ou o negro de classe baixa que estudou e trabalhou, sofreu racismo e preconceito a vida toda e sobreviveu física e emocionalmente até aquele momento da entrevista.

 Quem é o melhor?
 Em que é melhor: Conhecimento técnico? Resiliência? Aprendizagem rápida? Habilidades Sociais?
 Por que é o melhor?

 Somos melhores o tempo todo?

Toda escolha é um risco – toda escolha pode trazer ganhos e perdas – toda escolha pode trazer arrependimentos ou não. O que é bom hoje, pode não ser bom amanhã. O branco ou negro que são escolhidos hoje por critérios supostamente objetivos, amanhã podem ser vítima de uma fatalidade e não serem mais tão bons. A grande diferença é que quando a fatalidade ocorre com o branco a sociedade se mobiliza e o apoia, buscando compreender os motivos externos que determinaram aquela situação, mas quando acontece com o negro a sociedade olha e libera frases preconceituosas de acusação e sátira, que me recuso a reproduzir aqui.

 

 

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