CARTA A UM AMIGO QUE QUER VIAJAR
NA PANDEMIA
Você diz que sua decisão de viajar é uma
decisão individual. Eu já lhe fiz um discurso sobre a superação do conceito do
indivíduo. Falei que é apenas uma ideologia capitalista ilusória. Porque o fato
é que todas as nossas ações individuais possuem consequências sociais. Somos
grupo, quer tenhamos consciência disso ou não, quer gostemos ou não.
Como nos diz lindamente Cireneu
Kuhn:
TUDO ESTÁ INTERLIGADO COMO SE FÔSSEMOS
UM, TUDO ESTÁ INTERLIGADO NESTA CASA COMUM - Tudo Está Interligado - Pe Cireneu Kuhn, Svd - Cifra Club
Em época de
pandemia, o significado dessas palavras assumem um sentido de vida ou morte.
Fica claro que a menor das ações, o mais simples dos gestos pode simplesmente
levar outro ser humano à morte.
Mas toda minha argumentação foi em vão.
Você continuou insistindo em ir viajar em plena pandemia, alegando que precisa
relaxar, se distrair. Que se não fizer isso vai adoecer e precisar de atendimento
psicológico.
E como pessoalmente não consegui
dizer tudo, não consegui expressar todos os meus argumentos, decidi escrever.
Observação: “pessoalmente”
equivale ao nosso encontro on line pelo meet. Em época de pandemia as palavras
se ressignificam e “pessoalmente” se torna encontro virtual, porque on line é
quando conversamos sem visualizar nosso interlocutor.
Talvez o desejo de viajar para relaxar
seja fruto de uma determinação social de que devemos fazer algo para ser feliz,
porque não possuímos um modelo
cultural que nos ensine a ser feliz por estarmos em companhia de nós
mesmos. Ser feliz apenas por estar aqui. Nosso conceito de ser feliz está
relacionado com MOVIMENTO, ENCONTROS,
COMIDAS, FESTAS, etc.
Fomos treinados para sair de dentro de nós.
Nossa casa, nossa vida, nossa presença em nós mesmos está fundida com o
movimento, com a necessidade de ir, não importa pra onde. Fomos socialmente
programados para o movimento e isso não tem nada de individual.
Se fôssemos monges budistas em nossos templos
antigos, acostumados a meditar, não teríamos necessidade de sairmos de nossas
moradas para aplacar nossas ansiedades. Talvez nem sentiríamos ansiedade.
Escolheríamos estar só.
Se fôssemos monges beneditinos,
acostumados ao canto para embriagar a alma de êxtase, não precisaríamos ir além
do nosso próprio dom para encontrar a paz.
Se fôssemos da Ordem Religiosa da Igreja
Católica, denomida Carmelitas, escolheríamos a clausura.
E assim poderia citar inúmeros grupos
sociais ou pessoas que escolheram a solidão como modelo de vida.
Mas somos urbanos, classe trabalhadora
urbana, adaptada a época da tecnologia. Nos tornamos urbanos, esquecendo com
facilidade nosso passado recente na area rural.
Se olharmos com atenção para nossa história perceberemos que os avós de
muitos de nós viveram no sítio, ou tínhamos alguém da família que vivia. Isso é
no máximo três gerações.
Muitos de nós, que vivemos hoje como
adultos na cidade, totalmente adaptados a era on line, aprendendo novos modelos
de comunicação, correndo de um lado pro outro, buscando a vitória enquanto
lutamos pela sobrevivência, somos do sítio ou de alguma cidade do interior.
Grande número de nós, fizemos parte do
processo de migração ocorrido no país no final do século passado. Na década
de 1980, a taxa de migração da população rural para a cidade era de 26,42% e,
na década de 1970, era de 30,02% - Êxodo
rural no Brasil. O êxodo rural no Brasil e seus efeitos (uol.com.br)
No sítio, a solidão estava presente no
cotidiano.
Nos esquecemos de nossa história recente e
nos convencemos culturalmente de que para sermos felizes e encontrarmos a paz
interior precisamos nos distanciar da nossa solidão, do nosso silêncio.
É possível que o nosso MOVIMENTO seja
apenas uma distração para evitarmos a nossa realidade que não nos satisfaz. Um
pouco da “Técnica do Avestruz” descrita no texto de 17/08/2021 deste blog.
Se fôssemos treinados para a solidão, para
a introspecção, estar sozinho seria uma bênção.
Mas temos de ir, de ir pra fora,
viajar...encontrar algo que perdemos de nós mesmos sem saber quando ou porquê.
Quando a pandemia veio eu decidi pelo SACRIFÍCIO
da solidão. Estar só é o meu sacrifício oferecido a Deus em oblação. Posso
imaginar em minha solidão um pouco de incenso. Um pouco de música e uma mística
espiritual que talvez só exista no meu sonho.
Mas aprendi que a vida sempre nos convida
a algo novo. Ultimamente se usa uma palavra bonita sobre isso - RESILIÊNCIA.
Resiliência se refere a essa necessidade
de olhar pra vida, para o momento presente e fazer exatamente aquilo que a vida
nos pede ou exige. Quando a vida me chamou pra dançar eu fui, quando me
convidou pra festas, bailes e bares, lá estava eu, toda sexta-feira, sentada
entre amigos ou apenas com o marido, conversando sobre a semana e os seus
desafios. Sorrindo, conhecendo pessoas novas, me atualizando das novidades.
Mas quando a vida me convidou pra solidão,
ao isolamento, respondi de pronto - AQUI ESTOU.
Pra me acompanhar na SOLIDÃO escolhi
algumas músicas, poesias do passado que me ajudam a ressignificar esse momento. Hoje cito Chico Cesar - (22) Chico
César - À Primeira Vista - YouTube
Quando tudo era ausência, esperei.
Meu pedido:
Mesmo na solidão da sua casa, na solidão do distanciamento social, espere
comigo. Vamos aprender juntos
a nos acalmar e encontrar a paz interior diante do que a vida oferece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário