ORGANIZANDO O FIO DO PENSAMENTO
Quando escrevi os meus primeiros textos para o
blog me vi falando sobre minha mãe e minha relação com ela. Me vi revivendo um
momento místico da relação maternal e me senti encantada com isso.
Mas logo depois de viver essa experiência
encantadora, voltei pra realidade e me deparei com o imenso número de mortes
pela COVID 19, em especial no nosso país, onde um conjunto de fatores políticos
e sociais promoveram e estão promovendo um
número imenso de vítimas.
No meio do excesso das mensagens virtuais e em
plena CPI da COVID, que comprova a irresponsabilidade política de muitos, recebi
uma poesia pelo watsapp de Adriana Skamvetsakis, que me mobilizou
particularmente.
Vou citar uma pequena estrofe:
500 mil mortos
Pra cada vida perdida
Pra cada morte não evitada
Uma parte de mim também morreu.
Essas palavras bateram em mim como um soco no
estômago, acusando-me de insensibilidade por estar aqui vivendo um momento
nostálgico e místico em relação ao meu passado, revivendo momentos encantadores
da minha relação maternal, enquanto o Anjo da Morte passa pelo país, sem
escolher casas pra serem marcadas. E sua passagem está garantida, os caminhos
todos abertos. Ele transita livremente pois possui o selo de nossa irresponsabilidade
política, social, moral, ética, científica e ambiental.
Nossa vida em sociedade mostra sua faceta mais
macabra, expressada em números absurdos, deixando claro que o modelo de vida
escolhido, nosso “jeito” de ser e estar no mundo, gera em suas entranhas o
oposto daquilo que pulsa em todo ser vivente - gera a sua morte.
A falta de ar, o suspiro que já não pode ocorrer,
retirando o último sopro de vida e esperança, deixando-nos a mercê e diante do
abismo do desconhecido que é a morte - os olhos, que dizem ser a janela para a
alma - são fechados, no último gesto humano de respeito para com aquela vida.
Respeito esse que não encontrou na sociedade que lhe promoveu a própria morte
com comportamentos sócio/políticos irresponsáveis.
Enquanto escrevo me lembro da frase da música
do Zé Geraldo - tudo isso acontecendo e
eu aqui na praça dando milho aos pombos. A metáfora é verdadeira apenas
simbolicamente, no sentido de fazer o exercício de abstrair da realidade. No
sentido prático vivemos o avesso do avesso - fomos expulsos das praças pela
realidade contaminante e enclausurados no interior das nossas casas. Adaptando
a música do Zé Geraldo a minha realidade poderia dizer: tudo isso acontecendo e
eu aqui em casa escrevendo lembranças nostálgicas sobre a minha mãe, sem ser o
dia das mães, sem aniversário de nascimento ou de morte, ou do dia das
mulheres. Apenas me deixando levar pela nostalgia.
Mas para mim essa nostalgia não é uma prática
alienante de fuga da realidade, muito pelo contrário. É neste exercício
nostálgico no interior da minha casa, que busco na memória do passado a experiência
mística maternal, o encantamento tão necessário para o enfrentamento deste
momento desafiador. A voz da mãe dizendo VOCÊ
PODE SER, me impulsionando pra frente enquanto o senso de responsabilidade
social impõe o recuo a solidão da casa, do isolamento.
Consciente que neste momento de vida ou morte, o ISOLAMENTO É O SACRIFÍCIO INDIVIDUAL E
SOCIAL A FAVOR DA VIDA.
Consciente também que em meus movimentos
controlados para evitar a contaminação, não foi por acaso o resgate da
lembrança da minha mãe e seu estímulo ao meu desenvolvimento intelectual,
colocando-me uma esperança descabida - afinal de contas mãe é a origem da vida
e a vida é o início de um processo de desenvolvimento - é esse eterno ir, mesmo
contra todas as possibilidades...até o suspiro final, o último gesto que nos
retira daqui e então o processo é envolvido pelo mistério da morte.
Em uma sociedade contaminada por um vírus
mortal biologicamente – COVID19 - que ataca o corpo e leva ao último suspiro e também
controlada por outro vírus maior ainda, cujo o nome me escapa aos sentidos
neste momento, mas que se multiplica em diversos vírus menores como ódio,
intolerância, discriminação, falta de empatia, irresponsabilidade, explodindo
em uma falta de perspectiva para o futuro, descobri em mim que lembrar da minha
mãe é um gesto simples de resistência, mas que me coloca de pé para fazer tudo aquilo que preciso fazer, mesmo que
doa, mesmo que tudo dê errado, de pé, caminha, anda..... Ziza
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