CONJULGANDO O TEMPO
Dialogando com o passado sombrio pra encontrar forças na construção do
presente e esperançar o futuro.
Em meu primeiro texto escrevi sobre a força, a energia avassaladora que
recebi da minha mãe, ainda criança, falando-me com a maior naturalidade,
enquanto cuidava de sua obrigações domésticas, que eu poderia ser escritora.
Destaquei que essa era uma frase totalmente avessa a minha realidade de então e
portanto era uma expressão da fé e da teimosia da minha mãe frente a uma vida de
frustrações.
Entre os inúmeros vídeos que recebo ou entro em contato através das
mídias sociais, existe um que me deixa particularmente indignada. Esse vídeo fala que os tempos antigos é que eram
bons. Falei sobre isso no meu instagram em homenagem ao Dia Internacional de
Luta pelos Direitos das mulheres.
Esse vídeo fala dos tempos antigos, que antigamente que era bom,
antigamente era perfeito, as famílias tinham respeito, tinham harmonia, os
filhos respeitavam os pais, as crianças brincavam na rua. Enfim, fala de muitas
coisas boas de antigamente e fazem uma lista dessas possíveis coisas "boas". Apresenta uma questão que me intriga
especialmente. Muito do que descrevem como sendo bom, são na verdade absurdos,
como poder andar de moto sem capacete, andar de carro sem cinto de segurança,
dormir em berços cuja tinta era tóxica, bater nos filhos para educá-los. Outras
não considero absurdos, mas sim ironias, como por exemplo o fato de que o
merthiolate daquela época ardia muito mais que o de hoje, as vacinas eram
aplicadas com uma seringa que parecia um revolver. Sobre isso fazem uma
comparação satirizada com as gotinhas contra a pólio, que considero um grande
desrespeito as pessoas que foram vítimas da doença e neste país e no mundo e a
todos e todas que lutaram arduamente pela radicalização da doença neste país.
Uma das frases chaves desses
vídeos é: está indo embora a geração de ouro.
E eu respondo em meu interior: GRAÇAS A DEUS!
Porque é provável que havia coisas boas antigamente, mesmo porque se não
houvesse coisas boas nós não teríamos sobrevivido. Mas estou certa que as
coisas boas que haviam naquela época não eram os itens listados no vídeo. Sobre
o que está expresso, quero destacar alguns pontos reflexivos sobre a realidade
envolta na pseudo maravilhosa da geração dos anos 80 e 90 do século passado.
Mais especificamente sobre o papel da mulher na sociedade. Porque para a mulher
infelizmente as coisas não eram tão boas como diz o vídeo.
O respeito que havia estruturava-se na obediência, quase sempre na
agressão física e portanto no medo. A
gande maioria das mulheres tinham pouquíssimas opções de escolha, trabalhavam
muito e recebiam nada. Muitas, aprisionadas no serviços doméstico gratuito, o
faziam de forma exemplar, mas sem renda própria, estavam a mercê da sua relação
conjugal, que muitas vezes era abusiva e agressiva.
Foi nos anos 80 que se inicia o conceito e o direito de educação para
todos e todas, porque até então muitas crianças eram privadas de seu direito de
estudar porque tinham de trabalhar para sustentar a família. E muitas meninas
eram proibidas de estudar pelo simples fato de serem meninas. Se a família, por
motivos financeiros, tinham de escolher entre os estudos da filha ou do filho e
isso era muito comum, escolhiam sempre pelo direito do filho homem estudar.
Sim, os anos 80 e 90 foram bons, não pelos motivos que o vídeo destaca,
mas porque a sociedade, em especial as mulheres, começaram a dizer um basta
para todos os absurdos autoritários e violentos da sociedade.
E SIM, eu tive muita sorte. Porque no meio de todo o caos de violência,
repressão e dominação machista da sociedade dos anos 80 eu tive uma mãe, que em
seu silêncio familiar, no cotidiano de sua vida de lutas e labutas, teve a
coragem calma e tranquila de olhar pra sua filha e dizer: VOCÊ É MUITO
INTELIGENTE. VOCÊ PODE SER ESCRITORA.
Infelizmente muitas das mulheres da minha época, muitas das minha
amigas, não tiveram a mesma sorte.
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