FLORESÇA ONDE ESTÁ PLANTADO

      UM SENTIDO ESPIRITUAL

Sou católica e estou acostumada a ouvir críticas aos dogmas da Igreja, como imposição de regras, rigidez, controle institucional, etc. Eu, particularmente, não me importo com essas críticas. Quando voltei a ser católica, em 2002, voltei exatamente por perceber que eu era muito flexível com os erros das pessoas e os meus mas, quando se tratava da Igreja católica, eu era muito rígida, exigia uma perfeição, uma coerência, uma plenitude, não apenas no conhecimento, como nas posturas e atitudes das pessoas. Descobri que se eu fosse esperar uma instituição perfeita para praticar minha fé em comunidade, eu nunca iria praticar a minha espiritualidade em grupo.

Mas o sentido do dogma como verdade pré-estabelecida, tem vindo à minha mente com a frequência de mensagens neste mundo virtual. Isso porque recebo muitas mensagens que, em si, parecem conter uma “verdade absoluta”, que não pode ser questionada, flexibilizada, readaptada à realidade individual ou social.

FLORESÇA ONDE ESTÁ PLANTADA é uma dessas frases. Quando ouço essa metáfora adaptada às relações de trabalho, ela soa aos meus ouvidos como uma ordem desafiadora e algumas vezes injusta e irracional. É quase uma piada de mau gosto, que atravessa a nossa alma e “corta” a mística dos esforços psíquicos que homens e mulheres da classe trabalhadora são obrigados a fazer para sobreviver às realidades injustas que lhe são impostas.

Na mística espiritual, nos esforçamos para transformar os desafios da vida em bem comum e alcançar uma sabedoria transcendente. Desprovida dessa mística, a frase FLORESÇA ONDE ESTÁ PLANTADO fere a esperança humana naquela capacidade de fazer algo além da mediocridade do dia a dia.

FLORESÇA ONDE ESTÁ PLANTADO no sentido espiritual, me faz lembrar casos como o de Etty Hillesum, judia vivendo na época do Nazismo, escrevendo diários de esperança e de sentido da vida, que nos inspira:

“Nas páginas do Diário é possível ver uma dicotomia entre pregos e flores. As suas palavras deixam esta marca no leitor. A natureza próxima do sublime que reúne horror e beleza. Um desejo absoluto por nos encontrarmos conosco e com Deus; só assim será possível o encontro com os outros. “Uma pessoa deve viver consigo própria como se vivesse com uma multidão inteira. (…) Uma pessoa deve aprender a perdoar os seus próprios defeitos, se é que quer perdoar os outros”. Palavras como pregos e flores num período onde a banalidade do mal nunca foi tão explícita. E ainda assim um desejo claro, vindo da excepcionalidade do bem: “Gostaria de ser um bálsamo para muitas feridas” - Diário.

Se bem me lembro da história, ela é encaminhada para a morte em um campo de concentração e, no trajeto, consegue aceitar o fim de sua existência, pois compreende o seu papel individual naquele todo catastrófico que o mundo estava passando.

Assim, “FLORESÇA ONDE ESTÁ PLANTADO” na perspectiva espiritual, é uma frase que nos lembra o quanto temos de ser FORTES para sobreviver em alguns contextos. Nos lembra que temos de buscar em nós forças ocultas para garantir a ELABORAÇÃO EMERGENCIAL de dores em situações absurdas, situações extremas – doença, própria e na família, catástrofes naturais, guerras, fome, acidentes, pandemia, etc.

Possibilita também um aprofundamento reflexivo em relação às nossas limitações, os nossos medos e decidir sabiamente o caminho a tomar – ficar ou partir. Olhar para os nossos medos e compará-los à realidade que está colocada, decidindo qual o caminho mais adequado para o nosso desenvolvimento espiritual.

É que ser RESILIENTE não é uma escolha, não é uma prática “alegrinha” feita no conforto de nossas salas – ser resiliente é estar ao vivo e em cores na luta da vida, tomando decisões “certas ou erradas” com o objetivo de garantir a nossa sobrevivência e de outros.